Depois de sucessivas ameaças de paralisar os atendimentos por atraso no pagamento dos salários, os médicos obstetras e ginecologistas que atendem na Maternidade da Casa de Saúde pararam as atividades por tempo indeterminado. O último plantão médico no setor terminou às 7h30min de ontem. No setor, que tem capacidade para 18 leitos, havia cinco mães que iriam dar alta ainda ontem. A partir de então, o hospital não receberá mais gestantes, pelo menos, até nova decisão dos médicos que atuam na Maternidade.
A dívida com os 50 médicos terceirizados da Casa de Saúde gira em torno de R$ 2 milhões. Os oito profissionais da Maternidade estão com os salários atrasados desde julho, os traumatologistas, desde junho, e os cirurgiões, há cinco meses. Conforme o administrador do hospital, Rogério Carvalho, o problema é a falta de repasses integrais por parte do governo do Estado. Segundo ele, essa é a pior crise que a instituição vivencia.
- Precisamos receber em dia. Na atual situação, o valor (repasse do Estado) não é suficiente, mas é uma realidade de um hospital 100% SUS. Nós já trabalhamos no limite todos os dias, e, aí, sem receber, é impossível. Nosso custo é fixo mensalmente, independentemente de receber metade do contrato ou o contrato inteiro. A notícia de paralisação vem sendo protelada desde setembro. A gente conseguia chegar a um acordo com os médicos da Maternidade, mas, desta vez, a gente não conseguiu chegar, é um sentimento muito ruim - desabafa Rogério.
A diretora da Associação Franciscana de Assistência à Saúde (Sefas), instituição que administra o hospital, irmã Ubaldina Souza e Silva, confirma que o hospital não tem recursos para quitar a dívida com os médicos neste momento. Por enquanto, os outros setores não foram afetados, mas os médicos das outras especialidades ameaçam parar caso, até o dia 10 deste mês, a direção não dê uma previsão para a quitação dos salários.
- Nós não estamos majorando os problemas. Nós queremos solução, e não estamos passando a responsabilidade para ninguém, queremos que cada um assuma a sua responsabilidade. A nossa é a prestação de serviço, e nós queremos prestar o serviço da melhor forma possível, mas, infelizmente, não se faz saúde sem dinheiro - sustenta a irmã Ubaldina.
A direção do hospital sustenta que tem contrato com oito médicos que trabalham na Maternidade, porém, conforme um dos médicos do setor, Manoel Souza Júnior, o corpo médico foi reduzido para seis profissionais, pois dois teriam rescindido o contrato em setembro.
- Queremos voltar o quanto antes, pois temos a noção da importância da Casa de Saúde para Santa Maria e região, mas só voltaremos com a quitação total dos atrasados, novo contrato e perspectiva de normalização dos pagamentos futuros - ressalta Manoel.
A orientação da direção da Casa de Saúde é que as gestantes procurem o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm), no momento, o único que faz partos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade.
A Maternidade da Casa de Saúde faz de 80 a 120 partos por mês pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e é referência para Santa Maria e região. A dona de casa Jéssica Canabarro Machado, 25 anos, era uma das mães que estavam internadas no setor aguardando alta na manhã de ontem. A quarta filha dela, Maria Luiza Machado Pereira, nasceu às 6h27min da última segunda-feira de parto normal, mas, antes de chegar ao hospital, a família estava preocupada.
- Eu estava nervosa porque queria ganhar a minha filha aqui, por conhecer o atendimento, que é muito bom e por ser perto da minha casa. Eu estava torcendo para conseguir ganhar aqui na Casa de Saúde, para mim, foi muito bom, mas eu sinto muito que vai fechar agora - lamenta Jéssica.
A enfermeira responsável pela Maternidade, Ângela Naidon, que começou o seu plantão de ontem às 7h, comenta que esse impasse dos médicos com a Casa de Saúde arrasta-se há meses, o que acabava preocupando a equipe.
- A gente entende o lado deles, mas também a gente fica preocupado com as pacientes, porque ficar sem receber nos dias atuais, na crise que estamos passando, é complicado. É um sentimento de frustração porque, aqui, a gente trabalha para atender a população que mais necessita - diz Ângela.
O trabalho da equipe de cinco enfermeiras obstetras e de 15 técnicos de enfermagem do setor continua, porém, os profissionais deverão ser remanejados para outras unidades do hospital.
Com o fechamento da Maternidade do Hospital Casa de Saúde, a partir de agora, as gestantes de Santa Maria e região que dependem do SUS serão encaminhadas para o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). O problema é que a situação poderá se agravar ainda mais. É que, segundo a direção do Husm, a Maternidade está lotada, operando com capacidade para 31 mulheres. No Centro Obstétrico, há 12 pacientes, sendo que cabem 10.
De acordo com o delegado da 4ª Coordenadoria Regional de Saúde (4ªCRS), Roberto Schorn, a suspensão das atividades na Maternidade da Casa de Saúde causará um grande transtorno. O coordenador foi comunicado por telefone, pela direção do hospital, sobre a decisão dos médicos de parar os atendimentos. A orientação é procurar o Husm, mas pode ser que as gestantes sejam encaminhadas para outras cidades, pois a maior preocupação é com os partos de risco.
- Essa é uma situação preocupante, principalmente para os pacientes que dependendo do caso podem ser que sejam deslocados para outros lugares, por isso é que nós vamos avisar a Central de Regulação em Porto Alegre. Além disso, vamos conversar com a direção clínica do Husm para definir a melhor forma. A Casa de Saúde estava fazendo o possível e o impossível para manter o funcionamento, mas os médicos decidiram parar e a população que necessita é que sofre com isso - declara Roberto.